MEU PAI E EU
Antonio Augusto Ferreira
Eu
fui criado assim, gato selvagem,
nos
arredores da cidadezinha,
guri
sempre fugido pros potreiros
onde
pastavam vacas e cavalos;
e
eu por eles já sentia estima
e
esse fascínio que até hoje sinto.
Nenhum
cuidado me zelava a vida
queria
era viver a liberdade,
e
aprendi a defender-me dos perigos
por
puro instinto.
A
importante pessoa dessa infância
foi
meu pai.
Mas
meu pai era assim, a lei, o aço,
o
que não transigia em meus deveres.
Só
sabe Deus o que terá passado
em
sua vida pobre. O sofrimento
como
que a derrota de uma carapaça
que
o fazia parecer imune
à
fome e à sede,
para
que moldasse o corpo em argamassa.
Hoje
penso que a força da cobrança
ensinou-me
a esgrimir contra a parede.
As
suas bondades
eram
dissimuladas aos meus olhos,
que
só o viam duro, teso e forte.
Para
mim, meu pai era um palanque
assentado
à frente do seu rancho,
insensível
ao frio ou ao cansaço,
incapaz
de desviar-se do seu Norte.
Nem
nas amargas maldizia a vida,
nunca
lhe ouvimos uma voz de queixa,
pois
não se permitia comiseração.
Muito
ao contrário, reagia duro:
A
vida é uma luta, vence o mais capaz,
o
que mais suar sobre sei eito,
o
que mais cedo madrugar.
Em
pequeno, muito vagamente
lembro
seu colo,
substituindo
a mãe, que já se fora.
Mas
essa imagem me é tão remota
que
raras vezes a reconstituo.
O
tempo que me vem mais à memória
é
o do guri que, mal a lei saía,
largava
tudo pra voar na rua.
Eu
amava meu pai e na sabia,
ou
, se sabia,
tratava
de ocultá-lo a mim mesmo.
As
manifestações de afeto familiares
pareciam
perturbar-me a natureza.
Eu
era apenas um menino
que
se omitia em demonstrar ternura
temendo
que algum gesto de carinho
pudesse
confundir-se com fraqueza.
Havia
vezes em que eu o odiava
e
o rejeitava, ao me sentir sozinho,
porque
cobrava cada ato falho,
porque
ralhava contra qualquer falta
que
pudesse levar-me ao descaminho.
As
palavras de meu pai eram tais ordens
que
se devia cumprir de qualquer jeito.
Dessas
palavras, e dos gestos fortes
ficou-me
para sempre esse preceito
do
amor ao trabalho e à família.
Mas
o trabalho nesses longes tempos,
era
de sol a sol, áspera trilha
que
se devia abrir com toda a força
e
renovado vigor a cada dia,
a
vida inteira.
Já
a família se agrupava muito,
toda
a pobreza era irmã mente repartida
e
a dor e a enfermidade eram veladas
em
conjunto.
A
cada filho que se amancipava
suando
seu salário,
o
tratamento de meu pai ficava ameno,
talvez
mais doce, um pouco mais sereno,
mas
a cobrança seguia ao necessário.
Nunca
o vi chorar.
Seus
sentimentos eram tão cerrados
que
foi preciso me fizesse homem
pra
desvendar o seu amor imenso.
Esta
descoberta veio aos poucos,
a
idade chegara para todos
a
lei passou então a ser mais branda
e
o cuidado talvez menos intenso.
Eu
que
me fiz adulto antes do tempo,
saí
de casa como um filho sai,
sem
saber o quanto a rua me ensinara
nem
atinar a força da argamassa
que
herdara de meu pai.
Nem
eu mesmo sabia de que pedra
eu
era feito. Tinha meus sonhos
e
a insegurança daquele que
começa,
quando
atirei a vida sobre os
ombros
e
parti para o mundo a me provar.
O
medo de ser frouxo me assustava;
eu
sabia que atrás de cada esgrima
havia
uma parede
que
não me deixaria recuar.
Hoje
a vida passou, vou cerro
abaixo,
o
corpo vai sofrendo seus estragos,
mas
me alegra saber que o coração
é
pedra doce – fácil de amoldar,
mas
que sofre sozinho nos seus medos
e
jamais reparte seus fracassos,
pois
não lhe permitiram nunca
o
direito de chorar.
É
nessas horas
que
meu velho volta e me levanta
na
palavra:
Assim
é a vida, só se vence quem lutar.
Aperta
o coração, afirma o braço,
ergue
a cabeça e segue em frente.
Lá
é teu lugar.
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