quarta-feira, 10 de julho de 2019

Aos Olhos de um Índio Xucro


Aos Olhos de um Índio Xucro
Lauro A. Corrêa Simões
Três anos! Três longos anos
E ele voltava com seu jeitão de sempre,
Bem de-a-cavalo e chapéu negro requintado.
Decerto, envergando o mesmo tirador quase sem flecos;
O par de esporas de “quebrar tiranos”,
O pala-a-avestruzeiro sem bordados
E, a mala-de-garupa boca larga
Repleta de histórias e tarecos.

Agora, ele voltava, isto que importa
Porque São Pedro não quis abrir-lhe a porta
Na rodada mais feia que tivera.
Quem sabe o motivo do regalo? ...
Talvez, porque naquela primavera,
Numa rodada braba d´algum potro,

O mesmo acontecera para outro

e deus só queria um de-a-cavalo.


Três anos! Três longos anos! ...
Voltava em trote chasqueiro como se o pingo de monta
Soubesse da imensidade daquela alma sedenta
Para rever-se, afinal, no cristal do espelho d´água
Da cacimbinha em pedrada dos tempos do faz-de-conta.

O tirrim da espora grande
Porfiando de contraponto ao som do coscós do freio,
Anunciava pelo campo, no alce dos quero-queros
O retorno de mais um criado sobre os arreios.

Voltava pleno de orgulho saber o valor da vida
Porque é no cimbronaço que se aprende o costeio
E pra “touros” e ventenas o viver usa o “cachorro”
Pois, preso pelo focinho não se nega o cabresteio.

Ah! Se não fosse a rodada e que o levassem à força
Pra remendar os estragos e emendar alguns pucheros
Saberia quase nada, além de lidar com potros,
Tosar nalguma comparsa ou consertar uns aperos.

Sim! As andanças ensinam por rude que o homem seja!
Dignidade e razão, compreendera a importância
E aos tentos de um laço forte, sem querer as comparara
Porque igualava na essência o rico e o peão de estância.

No fim, até que a rodada mais lhe deu do que tirou!
Lhe deu a luz dos caminhos ao ensinar-lhe os desvãos,
Porque as coisas verdadeiras que valem mesmo a pena
Só se as pode avistar com olhos do coração.
Foi guardando na memória essas leis tantas da vida.

 

Enfim,

florescendo aos poucos como o nascer de um poema

Que o mundo nem sempre dita, mas gosta de nos cobrar
E, quem precisa, obedece! Senão, mango e nazarenas!

La maula!
Um homem se doma como se doma um cavalo!
Um buçalzinho de corda, quando o flete ainda potrilho!
Pra o guri uma bombacha o faz sentir-se homenzinho
E, assim, começa a história de quem chamamos de filho!

E quanto orgulho sentido dos pais na amadrinhada
Porque o viver não dá tréguas ao homem e ao animal
E quem voltava sabia que o respeito e a amizade
São bens para a vida inteira. Com ele foi tudo igual!

Repisando o próprio rastro pra rever coisas queridas
E escorraçar as tristezas, num gesto de rebeldia.
Este é gaúcho que volta a matutar em silêncio
Do que seria da vida sem sonhos e fantasias?

Nos mates da madrugada recolheu os seus fantasmas
E a alma encilhou o pingo para, enfim, voltar à cena.
A fé revigora o homem porque há poesia na luta
E quando foge a esperança é quando morre o poema.

Aos olhos de um índio xucro também se acendem visões
E o coração fogoneiro de pronto abre a sua mala.
Por isto a estrada, em verdade, ainda é a melhor escola
Que a peiteira não sufoca quem sabe desabotoá-la.
Das tantas coisas da vida, talvez a maior valia
Se deva dar o amor, aquilo que mais se quer.
À terra que nos acolhe no labor do dia a dia
E o sincero bem-querer entre o homem e a mulher.

Três anos! Três longos anos! ...
Voltava revigorado e isto se lia em seus olhos.
O mesmo jeitão de sempre, porém, trazendo outra luz...
Talvez o clarão da vida a iluminar-lhe a essência
Ou, quem sabe, algum candieiro que lhe emprestara Jesus!

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